Como construir um enunciado (académico)?
O que é um enunciado orientado para o ensino do design de comunicação? O enunciado permite o treino académico das componentes práticas e teóricas do projeto de design em ambiente de interação professor/aluno no estabelecimento de pontes entre as expectativas académicas e as da sociedade, num processo que associa competências de investigação, de criatividade, de experimentação, de implementação e de crítica.
No reconhecimento de que existem questões baseais da práxis profissional como porque se está a fazer este projeto?, para quem se está a projetar?, quais os resultados que se procuram obter?, quais as fases do projeto e o tempo de cada uma?, como avaliar o projeto? ou como implementar a solução final?, que ajudam a contextualizar uma disciplina e uma prática projetual orientadas para a resolução de problemas (de design) complexos que muitas vezes ultrapassam as competências ontológicas do designer, o enunciado académico deve começar por entender o problema que apresenta e ser construído em redor de algumas perguntas essenciais como o que se sabe e o que se procura saber sobre o assunto?, o que foi feito com características semelhantes?, como experimentar outras soluções?, como explicar o projeto à comunidade?, como desenvolvê-lo no respeito pelos princípios éticos e de sustentabilidade?, como afirmá-lo crítica e conceptualmente ou seja, culturalmente? e, sobretudo, como este permite ao aluno adquirir novas competências e evoluir?.
Antes de ser construído, o enunciado deve ser pensado enquanto estrutura conceptual aberta a variados entendimentos e possibilidades narrativas. Essa polissemia determina que, numa primeira leitura prevaleça um sentido poético/cultural que se metaboliza e que desencadeia um processo de materialização complexo e envolvente. O enunciado acompanha o processo de design revisitando as suas condições e condicionantes essenciais de modo que o aluno seja alertado permanentemente para a natureza dos objetivos apontados e dos objetos solicitados, e, na melhor possibilidade, destaca-se pela imaterialidade inerente ao processo de assimilação e disseminação da informação que chega ao receptor como matéria tratada culturalmente.
No caso particular dos enunciados que elaborei individualmente ou em colaboração partiu-se quase sempre de um problema ou ideia inusitada apresentada em ambiente contra-cultural de modo a posicionar-se como uma primeira crítica do assunto a explorar. Nesta acepção surge o enunciado enquanto guião cujas referências conceptuais e históricas superam (mas não renegam) as metodológicas e tecnológicas permitindo ao aluno e ao professor um nível de interação necessário à exploração colaborativa de conteúdos. A componente teórica do enunciado continua a ser tratada como uma narrativa literária de modo a criar um território fértil à criatividade, pelo que não existem assuntos demasiado circunscritos neste jogo de espanto alimentado pela curiosidade que, como sabemos, é a bactéria do conhecimento.
Construir um enunciado é em si um projeto não porque antecipe resultados, que como expliquei não se trata do perfil preconizado, mas porque expõe e ativa os mecanismos de exploração do conhecimento teórico e prático em prol da aprendizagem de uma práxis, por vezes, difícil de circunscrever.
Um enunciado não é um manual de instruções ou a sê-lo que seja como o "Manual de Instruções para a Nave Espacial Terra" (Operating Manual for Spaceship Earth), escrito, em 1968, por R. Buckminster Fuller.
Victor M. Almeida
(Junho 2015)