H+ — dos enunciados à acção?

Lemos no “ponto final parágrafo”, a propósito do projecto “Vértices do Ensino”, a retrospectiva do professor relativa ao seu percurso na FBAUL: “Muitas vezes, o espaço da Faculdade foi o campo de batalha primordial. Não é fácil buscar-se uma identidade individual e esbarrarmo-nos com uma noção de Escola que tenta a todo o custo equilibrar e conciliar aspectos de ensino opostos: a uniformização do conhecimento vs. a individualização criativa de cada um de nós, alunos.” De que modo a forma como o curso está estruturado permite ao aluno assumir a sua individualidade? E de que maneira as capacidades que desenvolvemos na cadeira de Audiovisuais podem ser uma mais valia para uma juventude em marcha?



Filipe Monteiro (professor)— A minha forma de leccionar a cadeira é influenciada pelo meu percurso como aluno nesta faculdade. Ao fazer os enunciados preocupo-me com os alunos que podem estar a fazer a disciplina, ou o curso, de uma forma despreocupada, porque os alunos são diferentes em design de comunicação. Há aqueles que nós sabemos imediatamente que vão ser grandes profissionais, no que quer que seja, porque são pessoas muito interessadas, ávidas de conhecimento, com uma grande complexidade. Por outro lado há pessoas que não têm essa vontade e esse interesse. Tento sempre que os enunciados não obriguem o aluno a entrar num universo pessoal ou de auto-questionamento, mas que tenham essa porta sempre disponível.
Vocês são alunos finalistas, daqui a poucos meses estão “soltos”. Continuo a achar que o espaço da FBAUL é o melhor espaço para colocarem todas as questões. Não é apenas um sítio onde vocês recebem ferramentas, e apenas saem daqui a saber fazer aquilo que aprenderam. Isso é cada vez menos verdade. No meu tempo já não era, só mesmo no tempo dos meus pais.
Em relação aos referentes políticos e sociais presentes nos briefing, não considero que existam para criarmos objectos que sejam assumidamente utilitários. Por exemplo, no meu terceiro ano, o projecto de DC era a criação de uma campanha sobre assuntos como a violência doméstica. Na minha opinião, os briefings não têm todos de passar por essas condicionantes, porque os alunos não precisam de fazer um cartaz sobre a violência doméstica, para ficarem alertas sobre essa problemática. Para mim é muito mais importante pedir aos alunos para reflectirem sobre a comunicação gráfica, porque a violência doméstica ser-vos-á exposta no dia-a-dia, através de diversos meios. Penso que a FBAUL é antes o espaço ideal para os alunos construírem uma consciência e uma expressão pessoal e individual.
Assim, os briefings que eu e o professor Miguel fazemos, sendo que pensamos os dois de forma muito semelhante, são feitos no intuito de deixar sempre uma porta aberta para quem os quiser transgredir. Por exemplo, neste exercício da Livraria de Babel há respostas completamente distintas, que são moldadas pelo interesse pessoal de cada aluno. Eu tive dúvidas em relação ao trabalho ser de grupo, porque isso implica sempre um compromisso, implica uma anulação da individualidade do aluno. Os alunos têm de se conciliar enquanto grupo e de abdicar de algo pessoal. Contudo, isso faz parte do processo e ajuda-nos a crescer. Sei que determinados alunos vão ser mais pragmáticos, vão olhar para o briefing, ler as fases e as datas e cumpri-las. Por outro lado, existem sempre aqueles que irão investir um bocadinho mais perante um tema que lhes toca em algum ponto sensível, e a partir daí já reina a vontade de fazer o projecto, não é apenas a obrigação.



H+— Este ano estamos a sentir que os professores nos querem transmitir a ideia de que o design pode ser uma ferramenta de apoio a uma causa— mas não de que o design é a ferramenta essencial á resolução de todos os problemas do mundo. A segunda questão que lhe queremos colocar é de que modo os meios audiovisuais e multimédia que se associam ao design podem ser usados a favor de uma juventude em marcha?



FM— O curso de Design de Comunicação, mais do que preparar-vos para trabalhar numa área específica, torna-vos profissionais competentes em compreender a complexidade da comunicação. Logo, a cadeira de Audiovisuais e Multimédia não é mais do que uma tradução dos códigos e estratégias que aprenderam no design gráfico para o domínio dos audiovisuais e multimédia. Permite-vos saber dominar a arte de fazer um filme… Não digo necessariamente saber filmar, mas sim perceber as especificidades de um objecto fílmico, comparativamente às especificidades de um cartaz, para conseguir adequar a mensagem aos meios e vice-versa. Audiovisuais e Multimédia permite-vos precisamente abrir o leque de opções na área do Design de Comunicação, por ser diferente do Design Gráfico.
O curso deve sensibilizar os alunos em relação à comunicação. Quero que o aluno consiga olhar para um filme e o consiga decompor nas diversas partes; que pense que se existe um momento num filme que o afecta, que comunica directamente com ele, que o faz vibrar, então ele deve-se interrogar em relação ao porquê dessa reacção. É necessário que o aluno perceba que o modo como o filme foi construído determina a eficiência da comunicação e que o seu modo de percepção é influenciado por uma sequência de imagens ou uma sequência de um plano aberto e de um plano fechado, porque estas lógicas não são apenas intuitivas. Muitos destes conhecimentos podem ser adquiridos, mas estas lógicas são diferentes das do universo gráfico. Assim, o que para mim tem importância nesta disciplina não é dotar o aluno das ferramentas tecnológicas, porque essas ele facilmente recupera, se for esse o caminho que ele quiser seguir.
Também acho importante que os professores trabalhem na área que ensinam, para que os alunos possam ver o que eles fazem, desmistificando-se aquela ideia do professor como teórico. Assim o professor passa a ser um parceiro e um tutor, numa relação de igual para igual. Um vez que estou permanentemente ligado ao meu passado, eu trago os meus ensinamentos e as minhas angústias, enquanto aluno, para a minha experiência enquanto docente. Procuro mais corrigir aquilo de que não gostei, com medo de replicá-lo, porque aquilo de que gostei está enraizado e tende a ser transmitido naturalmente. Sou professor na FBAUL porque fui convidado por professores da faculdade, alguns deles meus antigos docentes. De qualquer maneira, junto-me à família da faculdade de Belas-Artes, que funciona como todas as famílias. A intimidade tem mais valias e também problemas, mas no final do dia penso que o saldo é positivo.

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Design de Comunicação V
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